A primeira PIC implantada no SUS, em São João del Rei, foi a de Medicina Antroposófica, no ano de 2002, em uma equipe de Programa de Saúde da Família, no bairro do Tijuco. Cabe ressaltar que o envolvimento dos usuários do território de cobertura do Programa de Saúde da Família (PSF) respaldou politicamente o apoio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). 

 

O desafio foi implantar uma medicina, até então cara e elitizada, em uma realidade de comunidade marginalizada e pobre com a participação de três equipes de PSF e a contribuição de moradores locais, que transformaram o espaço de atendimento em um local de partilha e de construção de uma nova forma de atendimento. Um exemplo disso foi a experiência de construção de uma horta de ervas medicinais, a obtenção de prateleiras de secagem de ervas, fogão, camas para terapias, dentre outros, a partir da doação dos usuários do serviço, possibilitando que, com simplicidade, o espaço fosse montado. 

 

Também se estimulou o trabalho de voluntários. Assim, algumas pessoas ficaram responsáveis pela horta, outras se ofereceram para ajudar nas terapias e com ajuda de massagista rítmica e técnica de enfermagem foram oferecidos cursos em terapias externas antroposóficas para quem quisesse participar, independente do grau de escolaridade. Aproximadamente vinte e cinco pessoas se juntaram ao trabalho, dentre elas agentes de saúde, técnicos de enfermagem e moradores do bairro. Depois do treinamento inicial, ocorreram reciclagens de seis em seis meses, durante os seis anos seguintes. 

 

Concomitantemente, foram desenvolvidos compostos de ervas e tinturas como solução às questões referentes à medicação antroposófica (como seu alto custo, por exemplo). Merece destaque o uso da tintura de Saião (Bryophyllum pinnatum), substituto de ansiolíticos em vários casos atendidos; a geoterapia, realizada em forma de aplicação de emplasto feito de argila extraída na comunidade misturada a Arnica Mineira (Lychonophora pinaster Mart) e Erva de São João (Ageratum conyzoides) em locais de dor, e a terapia intitulada Terapia Trimembrada: escalda-pés, deslizamentos cutâneos com óleos, fricção cutânea com pomadas, compressas, enfeixamentos (VIEIRA,2004).

Podemos citar ainda as atividades físicas oferecidas duas vezes por semana, com exercícios fundamentados na Antroposofia (eurritmia e reorganização neurofuncional) e a  assistência às crianças com baixo peso, por meio de banhos nutritivos (leite, ovo, mel e limão).

Durante dois anos, com a ajuda de professores de escolas Waldorf de Minas Gerais e de professores da Comunidade Monte Azul, de São Paulo, que viviam situação socioeconômica parecida, também foram oferecidos cursos modulares fundamentados na Pedagogia Antroposófica para os professores e monitores das três creches que existiam na comunidade. Neste momento uma Organização Não Governamental (ONG), a Associação Comunitária Yochanan (ACY), ofereceu apoio a esses trabalhos, buscando recursos financeiros e passando a ser parceira da Secretaria Municipal de Saúde.*

 

Com o avanço das atividades e o enfrentamento de dois problemas: a procura dos serviços oferecidos por outros moradores residentes, fora do território de cobertura do PSF, e as mudanças das gestões municipais, isso levou à elaboração da proposta de um Centro de Referência em Medicina Antroposófica (CRMA), que tornou-se uma realidade, em 2008, com a criação do CRMA pela SMS e o apoio da ACY e da mobilização da população. O CRMA passa a fazer parte da rede de assistência do município, recebendo pessoas referendadas das UBS e das ESF, encaminhadas por médicos ou enfermeiros. 

 

O trabalho realizado no CRMA participou de dois monitoramentos dos serviços de MA, fazendo parte também do Observatório de MA, aplicados pelo Ministério da Saúde em 2009 e 2010. Encontra-se neste documento uma citação: “em São João del-Rei/MG, na rede pública municipal, uma equipe multidisciplinar vinculada à Saúde da Família desenvolve, há mais de seis anos, experiência inovadora a partir do uso das aplicações externas de fitoterápicos e de outras abordagens” (BRASIL, 2014). (...)“um caso especial foi observado no serviço de São João del-Rei em que a Associação Comunitária Yochanan criou uma farmácia de manipulação artesanal nas dependências da unidade de saúde, produzindo e comercializando medicamentos fitoterápicos, homeopáticos e alguns antroposóficos a baixíssimo custo” (LUZ, 2014).As ações de saúde ofertadas e registradas no relatório eram: consulta médica e de enfermagem, aconselhamento biográfico, aplicações externas, banhos, bordado, arteterapia, grupos de salutogênese, reorganização neurofuncional, massagem rítmica e produção artesanal de medicamentos (Idem).

 

Pouca pesquisa científica foi realizada no CRMA, porém vale a pena citar um relato de estudo publicado como resumo de congresso, na revista alemã Der Merkurstab, no ano de 2012: Contribution of anthroposophic external therapiesincognition, mood and quality of life of the elderly. O estudo teve como objetivo avaliar o efeito da Terapia Externa Trimembrada no humor, cognição e qualidade de vida de 30 idosos acima de 70 anos de idade, assistidos por Equipe de Saúde da Família, evidenciando melhora na cognição após o tratamento com estas terapias. Na avaliação do humor, houve redução dos Sintomas Maiores de Depressão, interferindo positivamente na qualidade de vida, nos domínios físico, psíquico, social e ambiental (VIEIRA, 2012).

Em 2017 foram realizados os seguintes atendimentos no CRMA: 861 Consultas Médicas; 1265 Terapias Externas com argila; 123 Terapias Trimembradas; 111 atendimentos em Terapias Comunitárias; 1.260 Atendimentos de Reorganização Neurofuncional; 131 Atendimentos de Reiki; 170 atendimentos dentro do Programa de Extensão/Ansiolíticos e Antidepressivos: um clamor pela independência; 26 Atendimentos de Auriculopuntura.

 

Quanto às participações em atividades oferecidas no Centro, houve 400 participações no grupo de Bordado e 174 atendimentos de Cantoterapia. No que se refere a atividades coletivas, computamos: Dança Circular, comemoração de fim de ano, com um total de 111 participantes. Foi realizado ainda um projeto de pesquisa: Terapia Antroposófica no Climatério: Uma Abordagem Integral, com 68 atendimentos, não podendo esquecer também dos medicamentos fornecidos, que somaram um total de 6.557 frascos.  Em síntese, no CRMA foram registrados um total de 5.562 atendimentos em 2017. 

                                                

Destacamos, neste contexto, a Cantoterapia, oferecida no CRMA desde o ano de 2017.  Reconhecida pela Associação Brasileira de Medicina Antroposófica (ABMA), como uma de suas terapias complementares, a Cantoterapia faz uso do canto e de elementos musicais como ferramentas terapêuticas, visando um caminho de autodesenvolvimento baseado em três pilares: o pedagógico, como meio de manutenção do instrumento do canto (a voz); o terapêutico, com destaque ao elemento curativo; e o artístico que busca o equilíbrio entre o sentir, o pensar e o querer. Recebeu seus fundamentos da Escola do Desvendar da Voz, desenvolvida entre 1912 e 1924 pela cantora ValborgWerbeck-Svardstrom em parceria com Rudolf Steiner (criador da Antroposofia) e com os médicos Eugen Kolisko e Karl Konig. Utiliza o canto como ferramenta de reequilíbrio e manutenção do bem estar e da saúde e para complementar processos de auto-conhecimento. Promove o desenvolvimento de habilidades na esfera da comunicação e integração, e no funcionamento cognitivo, afetivo e sensório/motor. Dentre outros, é indicada para: distúrbios da voz, da linguagem, da expressão e da comunicação; desenvolvimento infantil; doenças das vias respiratórias (as ites); transtornos alérgicos e crônicos; doenças degenerativas e auto-imunes, psicossomáticas e neuropsiquiátricas (como a depressão);

Atualmente, o CRMA possui três funcionários contratados pela SMS (médico, auxiliar administrativo, auxiliar de serviços gerais) e trinta e quatro voluntários. Outras práticas tradicionais também são oferecidas, como, por exemplo, Auriculoterapia, Reiki e Terapia Comunitária. 

 

*O trabalho está registrado em vídeo, realizado pela Escola de Saúde Pública de Minas Gerais para a Mostra de Saúde da Família no Congresso Nacional da Rede Unida, em BH no ano de 2005.  Acervo do proponente.